* Por Luana Lavratti
Deparamo-nos, atualmente, com muitas ações que são impetradas face às instituições financeiras visando a anulação de contratos firmados com analfabetos, com justificativa baseada em dois pontos principais. O primeiro é a suposição de que a pessoa analfabeta é facilmente induzida ao erro, uma vez que não tem capacidade para entender os termos do contrato. O segundo é que a concessão de empréstimos consignados para analfabetos ou semialfabetizados apenas se realize mediante instrumento público.
Analisemos alguns pontos que justificam a razão pela qual pessoas analfabetas podem sim praticar atos da vida civil e manifestar sua vontade, como contratar um empréstimo. Afinal, não há qualquer notícia de sua eventual incapacidade para os atos da vida civil. Até porque o analfabetismo não induz em presunção de incapacidade, seja ela relativa ou total, conforme previsão dos artigos 3º e 4º do Código Civil.
Quanto à validade do negócio jurídico, pode-se destacar o art. 104 do Código Civil: “I – Agente capaz; II – Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – Forma prescrita ou não defesa em lei”. Ora, se o negócio jurídico é válido se revestido de forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104, III, CC) e só dependerá de forma especial por exigência legal expressa (art. 107, CC), então, obrigar que os analfabetos a contratem somente por instrumento público comportará em uma violação ao princípio constitucional, sendo que nem a própria Lei impõe tal obrigação.
Em complemento, há mais um artigo do Código Civil que merece ser destacado e que inclusive reitera todo o já exposto – o art. 183, que prevê que “a invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio”. Ou seja: Se o mutuário analfabeto confessar que teve ciência dos termos do empréstimo e que recebeu o montante disponibilizado, o negócio deve persistir.
Importante destacar também que tais analogias não estão invocadas apenas no âmbito civil ou processual civil, mas em toda a legislação brasileira e nenhuma fará qualquer desqualificação ao analfabeto e não o apontará como incapaz.
Nesse mesmo entendimento, vale destacar uma decisão da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que aceitou a apelação de uma instituição financeira e restabeleceu a validade jurídica de contrato entabulado com um analfabeto que se considerou ludibriado ao contrair empréstimo consignado.
Isso porque, no curso da lide, ficou comprovado que o irmão do requerente o acompanhou na contratação, firmando o instrumento juntamente com o autor; o próprio autor admite, em seu depoimento pessoal, que procurou o banco para a realização do negócio, no qual foi assistido por pessoa alfabetizada e de sua confiança, indicando dessa forma que o autor estava em plena consciência dos termos do contrato. A alegação de que teria sido induzido em erro em razão da idade avançada e falta de instrução também não prosperou, pois não houve qualquer notícia de sua eventual incapacidade para os atos da vida civil.
Assim, fica mais do que claro que ser analfabeto não significa ser agente incapaz e a contratação não deve ser impedida.
Luana Lavratti é advogada do Departamento Bancário, Financeiro e Recuperação de Crédito do escritório Küster Machado. Formada pela Faculdade de Direito Curitiba – Unicuritiba, atua no âmbito do Direito Civil e Processual Civil. Especialização em Direito Civil e Processo Civil.