O ordenamento jurídico brasileiro admite duas espécies de pessoas: as naturais e as jurídicas, tidas como sujeitos de direitos e deveres. Para as pessoas jurídicas, há, contudo, separação patrimonial entre a pessoa dos sócios e da sociedade.
A oportunidade dos empresários reunirem-se em sociedade – separando seu patrimônio pessoal do patrimônio social – para a exploração da atividade empresarial tem grande importância no desenvolvimento das atividades econômicas, uma vez que atua como um redutor do risco empresarial. Este fenômeno propicia o empreendedorismo – no contexto de uma sociedade capitalista, o exercício da atividade econômica é voltado à iniciativa privada e o estimulo é um fator valioso para o bom desempenho da economia.
A prática que permite a separação entre o patrimônio existente dos sócios e o patrimônio da empresa – que autoriza que os bens das partes sejam atingidos pelas obrigações por elas contraídas, quando verificada, por exemplo, atos ilícitos, abuso de poder, violação de norma estatutária ou infração de disposição legal – denomina-se desconsideração da personalidade jurídica.
Há três teorias que conceituam a desconsideração da personalidade jurídica: a teoria ultra vires, a subjetiva e a objetiva.
A responsabilidade pessoal dos sócios, administradores e diretores é atingida quando há excesso de poder, violação estatuária ou legal, ou seja, quando não é seguido o objetivo da sociedade. Essa previsão se encontra no artigo 1.015 do Código Civil, a chamada teoria ultra vires, que dispõe em seu parágrafo único que o excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se: a) a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) for provado que era conhecida do terceiro; c) tratar-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Nessas hipóteses a sociedade não se responsabiliza pelo ato do empresário/ administrador que extrapola os limites dos atos constitutivos da pessoa jurídica.
Essa teoria é pouco utilizada, pois responsabiliza unicamente o sócio que efetivamente ultrapassou seus poderes dentro da sociedade, quando é dever de todos eles, em conjunto, zelar pelo bom andamento do negócio, mantendo-o dentro da legalidade.
Noutra seara, verificada a fraude contra credores, abuso de direito ou desvio de finalidade ligados a manipulação da autonomia patrimonial, fala-se da Teoria Maior. No direito positivo, pode-se observar no artigo 50 do Código Civil[1], qual define que, nas hipóteses acima, o juiz pode decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Por fim, na Teoria Menor, criada para proteção de um público especial – fisco, meio ambiente, trabalhador e consumidor – basta a mera possibilidade de frustração do credor da sociedade diante da insolvência ou falência da sociedade, para solicitar a desconsideração da personalidade jurídica.
É o que trata, por exemplo, o artigo 28[2] do Código de Defesa do Consumidor ao descrever que o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
O § 5º do artigo 28, do CDC dispõe que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Por isso, claro que o artigo amplia a desconsideração sempre que o consumidor sofrer prejuízo patrimonial, mas essa disposição é criticada por conter no caput casos de imputação direta, que não se confundem com desconsideração da personalidade jurídica, bem como por exigir no §5º apenas a existência de prejuízos ao consumidor não indenizados pela pessoa jurídica, indo ou encontro ao princípio da autonomia patrimonial.
Assim, a doutrina se inclina a afirmar que referido dispositivo deve ser interpretado juntamente com o caput do art. 28, de modo que só será autorizada a desconsideração se presentes os requisitos deste.
A aplicação da Teoria de Desconsideração da Personalidade Jurídica de forma objetiva em favor do consumidor tem por finalidade a garantia de sua proteção, de modo que este não reste lesado por uma manobra das empresas.
Apesar da norma existente, é dever do Poder Judiciário o seu uso consciente, pois em que pese a determinação aplicação objetiva da teoria, necessário levar-se em consideração a alteração da relação de consumo, que diminui, em muito, a relação hierárquica entre as partes relacionadas. Assim é que atualmente muitos “maus consumidores” pleiteiam a aplicação da norma em debate no intuito claro de propositadamente lesar a empresa ou mesmo de angariar vantagem indevida, sem considerar que a mesma, para funcionar, contribui de forma relevante para o crescimento socioeconômico do país, cumprindo com seu dever social, em flagrante abuso da legislação, que foi criada para proteção de uma relação hoje bastante transformada.
[1] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Art. 187, CC: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[2] Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
- 1° (Vetado).
- 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
- 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
- 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
- 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.