Mais uma vez a Receita Federal do Brasil (RFB) passa uma total insegurança jurídica aos contribuintes, para cumprir a decisão do Supremo Tribuna Federal, que declarou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições PIS/COFINS, em sede de repercussão geral.
A RFB publicou, em 11.10.2019 a Instrução Normativa de número 1911/2019, que dispõe no inciso I, do parágrafo único, do artigo 25 que, para fins de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS, o montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher.
Primeiramente, o dispositivo criado pela RFB extrapola os princípios da legalidade[1] e coisa julgada[2], previstos na Constituição Federal , pois, é obvio que “para fins de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS” o dispositivo a ser cumprido, respeitado e utilizado é o da própria decisão transitada em julgado, imutável, portanto.
Nada obstante, a determinação para utilização do valor mensal do ICMS é um absurdo, impossível de se cumprir do ponto de vista contábil. A RFB criou um novo tipo de ICMS, o ICMS-saldo.
Nesse contexto o paradigma proferido no Recurso Extraordinário 574.706/PR esclarece a questão demonstrando o que ocorre na cadeia de cobrança do ICMS e firmando o entendimento de que se trata do ICMS destacado na nota fiscal, o valor que deve ser excluído da base de cálculo das contribuições PIS/COFINS.
Está demonstrado de forma clara no voto proferido pela Exma. Sra. Ministra Carmem Lúcia que, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado pelo Supremo Tribunal Federal. Conforme transcrito abaixo:
“9.Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.” (grifa-se) – Acórdão proferido no Recurso Extraordinário 574.706/PR, em Sessão Plenária de 15.3.2017. (grifamos)
É espantoso ver essa determinação publicada pela RFB, através da referida Instrução Normativa, que, além de ferir o princípio da legalidade e da coisa julgada, vai contra as regas básicas de contabilidade.
Ainda que não houvesse a menção da Exma. Ministra de forma explícita, a RFB cria uma nova contabilidade entendendo que o ICMS que impacta na receita Bruta é o saldo mensal a pagar do imposto, como se o crédito do ICMS apropriado pela compra não tivesse sido desembolsado pelo contribuinte no valor da nota fiscal de compra.
Essa orientação está infringindo o cumprimento das decisões transitadas em julgado em todo Brasil, as decisões judiciais devem ser cumpridas na sua literalidade para excluir o valor do ICMS da base de cálculo das contribuições PIS/COFINS. E a base de cálculo das contribuições PIS/COFINS é a receita bruta, que incluía o ICMS. Sendo que a única maneira de excluir do ICMS da base das contribuições é retirá-lo das receitas que incidiram as contribuições com ele incluso.
Não faz nenhum sentido do ponto de vista fiscal e contábil apurar o saldo do ICMS a pagar no mês para excluí-lo da receita bruta, que incidiram as contribuições.Isso foi criado pela RFB de maneira irresponsável.
O que se vê com esse tipo de determinação é a falta de respeito com o contribuinte e propagação da insegurança jurídica com relação à aplicação das decisões judiciais, já com o trânsito em julgado o que é muito mais grave.
[1] Constituição Federal do Brasil – Artigo 5º, inciso II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
[2] Constituição Federal do Brasil – Artigo 5º, inciso XXXVI, que dispõe, in verbis: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.