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O ativismo judicial em relação ao rol de procedimento da ANS

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Aumentou o número de ações judiciais contra Planos de Saúde (e inclusive contra o SUS). Certamente que muitos consumidores estão em seu direito de discutir o contrato, mas a questão é: será que realmente as Operadoras de Plano de Saúde tem descumprido tanto assim as normas consumeristas/regulamentares ao negar cobertura a algum pedido de tratamento/procedimento médico?

Desde a edição da Lei 9.656/98 se discute o alcance das coberturas contratuais, especialmente diante do Código de Defesa do Consumidor.

De fato a saúde é um tema de especial relevância, contudo, isso não significa que o Poder Judiciário deva ignorar os impactos (financeiros principalmente) de suas decisões, mas principalmente, ignorar as normas editadas pela ANS, enquanto agência reguladora e fiscalizadora.

Como se sabe, a forma encontrada para sistematizar e garantir o adequado acesso dos consumidores aos procedimentos e eventos em saúde desde 1998 foi à edição de um “rol de procedimento e eventos em saúde”.

O “Rol da ANS”, como é chamado, constitui-se de uma listagem – extensa (mais de 3 mil procedimentos) – que determina quais são os procedimentos que terão cobertura obrigatória nos planos de saúde “referência”, ou seja, o que as Operadoras de Plano de Saúde precisarão cobrir a todos os beneficiários.

E essa previsão é expressa no texto infraconstitucional (Lei 9.656/98):

Art. 10: § 4o  A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS.

Contudo, o Poder Judiciário ainda está apegado à antiga previsão legal, no qual realmente se poderiam dispor sobre as doenças cobertas ou os tratamentos, parecendo que parou no tempo e se recusa a aceitar que a Lei 9.656/98 ALTEROU A REALIDADE DO SETOR DE SAÚDE SUPLEMENTAR.

Basta ver as decisões diárias que, sob alegação de “interpretação mais favorável ao consumidor”, alegam que o “Rol da ANS” seria meramente exemplificativo, a ensejar, basicamente, a autorização via judicial para qualquer procedimento prescrito pelos médicos e demais profissionais da área.

Ora, se o Rol editado pela ANS é “exemplificativo” como alegado de forma rotineira pelo Poder Judiciário para que fazê-lo? Atualizá-lo? Por que foi editada uma legislação FEDERAL que regulamenta todo o setor?

Parece que verdadeiramente o Poder Judiciário desconhece a origem e a importância do Rol de Procedimentos e Eventos da ANS para a organização e subsistência financeira das Operadoras de Plano de Saúde.

Em nenhum país do mundo se tem notícia de que um Plano/Seguro de Saúde seja “ilimitado” ou muito menos “vinculado à prescrição médica”, quiçá quando se fala de saúde subsidiada pelo setor público.

Aliás, o próprio STF tem uma listagem do que os servidores terão acesso quanto ao Plano Médico destes[1], quer dizer, está o STF errado em estabelecer o que será coberto aos servidores?

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde não é editado de forma unilateral pela ANS (e muito menos pelas Operadoras de Plano de Saúde), ao contrário, é uma listagem aberta à sugestão do público e das entidades representativas sejam médicas, de consumidores, indústria farmacêutica etc[2].

A cada dois anos a ANS abre consulta pública para verificar a necessidade de atualização dos procedimentos previstos no ‘Rol’ já editado[3].

Em vigência, há a Resolução Normativa n° 439/2018 que regulamenta este processo de atualização periódica do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde a fim de averiguar a real necessidade da inclusão de tecnologia em saúde, e/ou alteração/inclusão/exclusão da Diretriz de Utilização (DUT) de procedimentos e/ou alteração de termo descritivo de um procedimento já incluso.

Mas como é feita a atualização do Rol?

1- Da proposta: Inicialmente são apresentadas as propostas feitas à Diretoria Colegiada da ANS (DICOL), que pode ser feita por pessoa física ou pessoa jurídica, dentro do prazo estabelecido, seguindo alguns requisitos obrigatórios, sendo os mais importantes:

  1. Descrição detalhada sobre a tecnologia em saúde proposta (como se dará a sua aplicação, itens para custeio, recursos, treinamento para implantação da tecnologia, qual condição de saúde está indicada para a tecnologia, bem como a descrição do problema de saúde, delimitação de público alvo)
  2. Indicação de uma ou mais tecnologias alternativas para a mesma indicação (comparador sobre as tecnologias já disponíveis e a tecnologia proposta)
  3. Registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, quando se tratar de matéria de sua competência
  4. Comprovação de que a tecnologia está listada em tabela profissional reconhecida pelo Conselhor Federal ou listada na Terminologia Unificada da Saúde Suplementar – TUSS utilizada no SUS, quando a tecnologia proposta tratar-se de procedimento clínico, cirúrgico/invasivo ou diagnóstico/terapêutico
  5. Análise de Impacto Orçamentário – AIO (avaliação das consequências financeiras advindas da adoção de uma nova tecnologia em saúde, dentro de um determinado cenário de saúde com recursos finitos, na perspectiva da saúde suplementar) e correspondente comparação com a nova tecnologia em saúde proposta
  6. Avaliação Econômica em Saúde – AES (análise comparativa de diferentes tecnologias, no âmbito da saúde, referente a seus custos e aos efeitos sobre o estado de saúde, compreendidas as análises de custo-efetividade, custo-utilidade, custo-minimização e custo-benefício)
  7. Descrição das evidências científicas relativas à eficácia, efetividade e segurança da tecnologia em saúde proposta, comparadas às tecnologias alternativas em saúde, por meio de apresentação de revisão sistemática ou parecer técnico-científico – PTC (parecer desenvolvido através de diretrizes metodológicas e revisão de estudos publicadas pelo Ministério da Saúde)

2- Da análise das propostas: Preenchendo os requisitos, as propostas elegíveis são colocadas em análise pelo órgão técnico da ANS ou por entidades público/privadas, com participação do Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde – COSAUDE (fórum pelo qual se estabelece o diálogo permanente com os agentes da saúde suplementar e a sociedade), com o intuito de analisar as melhores evidências científicas disponíveis para o tipo de tecnologia objeto da proposta de atualização, sendo emitida uma Nota Técnica de Consolidação das Propostas de Atualização do Rol – NTCP.

3- Da consulta pública: Após esta deliberação é elaborada uma nova minuta da Resolução Normativa, a qual a ANS submete para apreciação e aprovação à sociedade civil via consulta pública.

4- Da ratificação/retificação da minuta.

5- Publicação do novo Rol de Procedimentos e Eventos da ANS.

Todos estes critérios de atualização são necessários para acompanhar a evolução da Medicina e reorganizar o Rol de Procedimentos com a incorporação dos mesmos.

Fica evidente que o Rol de Procedimentos e Eventos da ANS não é um ato unilateral da ANS (ou das Operadoras de Planos de Saúde) ou mesmo tem a intenção de restringir o acesso dos beneficiários aos tratamentos médicos, o que se espera com uma listagem é garantir o acesso dos pacientes aos tratamentos médicos com eficácia comprovada, e ao mesmo tempo, garantir que as Operadoras de Plano de Saúde possam ter parâmetros para precificação e organização financeira.

Ora, não podemos desconsiderar que cada região do Brasil tem suas particularidades, dificuldades e necessidades, contudo, compete a ANS justamente avaliar se: 1) o procedimento tem realmente eficácia clínica comprovada; 2) o procedimento a ser incorporado é melhor dos que os já vigentes no Rol da ANS; 3) existe demanda dos consumidores pelo procedimento, e principalmente 4) se existe a viabilidade de incorporá-lo ao Rol, avaliando-se o impacto financeiro.

Como exemplo da importância do Rol da ANS, indica-se que não haveria sentido lógico em incorporar um tratamento se as evidências científicas indicam que o tratamento não apresenta ganhos reais para o paciente em detrimento do tratamento “tradicional”. Pensemos nos impactos desse pedido de incorporação: 1) Existem profissionais suficientemente qualificados para a utilização da tecnologia pretendida? 2) Existem aparelhos disponíveis para utilização dentro da rede credenciada? 3) O custo da tecnologia pode ser suportado pelo setor? 4) Existem, do ponto de vista clínico, evidências que demonstrem a superioridade da técnica para o paciente?

Pode parecer “injusto” ou mesmo “perigoso” negar a incorporação de tal nova tecnologia no Rol de Procedimentos e Eventos, ou mesmo negá-lo diretamente ao paciente que o solicita à Operadora de Plano de Saúde, mas esquece-se de toda a parte operacional, científica e financeira envolvida.

Portanto, um dos deveres da ANS é justamente equilibrar os pedidos de incorporação às melhores tecnologias existentes, garantindo que o consumidor final tenha acesso de qualidade à promoção de sua saúde, mas ao mesmo tempo, garantindo a sustentabilidade do setor.

Ao Poder Judiciário compete parar de se balizar de forma exclusiva pelas declarações médicas e pelo sentimentalismo, e igualmente começar a utilizar a medicina baseada em evidências, como forma inclusive de evitar a imposição de obrigações excessivamente onerosas e que não estavam previstas no cálculo atuarial das Operadoras de Plano de Saúde, em detrimento da análise individualizada de cada pedido.

Analisar a função social do contrato ou mesmo aplicar o CDC não pode significar a desconsideração de toda a construção jurídica e científica do setor, sob pena de fazer morta a legislação vigente – já que, invocando o CDC, desconsidera-se de forma frontal as previsões estabelecidas na Lei 9.656/98 – sob a falsa premissa de proteger-se o consumidor.

A observância do Rol de Procedimentos e Eventos da ANS jamais irá significar que novas tecnologias não devem ser observadas, ou que em situações excepcionais não possa ser “mitigado” o contrato de Plano de Saúde e determinada cobertura de algo não previsto contratualmente, contudo, o que vemos atualmente é que sequer se pensa sobre a tecnologia pleiteada, e com base exclusiva em uma declaração médica se deferem os pedidos, mesmo quando existem evidências científicas da falta de superioridade do tratamento em relação ao coberto pelo contrato.

Assim, as negativas de procedimentos emitidas pela Operadora de Saúde em decorrência de ausência do procedimento no Rol de Procedimento da ANS e/ou ausência de Diretriz de Utilização (DUT) não é mera justificativa dos planos de saúde a fim de não fornecer/autorizar o procedimento ao beneficiário! As Operadoras estão provendo aos beneficiários os procedimentos/tratamentos cientificamente eficazes ao seu diagnóstico baseado na Medicina de Evidências e na avaliação econômica em saúde, objetivando os melhores resultados clínicos aos pacientes dentro dos custos viáveis para as empresas.

É necessário que o STJ e os Tribunais Nacionais repensem o papel do Rol de Procedimentos e Eventos e façam CUMPRIR a Lei 9.656/98, sem estabelecer obrigações inexistentes e que não tem amparo científico/contratual. E caso não se concorde com o Rol de Procedimentos e Eventos da ANS, compete aos órgãos competentes propor mudanças legislativas, o que não pode continuar a ocorrer é a violação frontal à legislação infraconstitucional por mero sentimentalismo dos nobres julgadores, sob pena de colapsar o setor de saúde suplementar, e impedir o acesso dos cidadãos brasileiros à saúde privada.

[1] https://saude.stf.jus.br/

[2] http://www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/atualizacao-do-rol-de-procedimentos/como-e-atualizado-o-rol-de-procedimentos

[3] http://www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/atualizacao-do-rol-de-procedimentos/cronograma

Ana Ponsam e Paola Fiamoncini

Küster Machado Advogados
Küster Machado Advogados Com mais de 30 anos de atuação nacional, o Küster Machado Advogados oferece soluções jurídicas abrangentes nas esferas contenciosas e consultivas em mais de 20 áreas do Direito a nível nacional. Possui unidades nas cidades de Curitiba, Blumenau, Londrina, Florianópolis e São Paulo e desks na Suécia, China e Estados Unidos.

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