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OS DESAFIOS NA SAÚDE SUPLEMENTAR DIANTE DO IMPACTO FINACEIRO ANTE AVANÇO NOS MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS ONCOLÓGICOS

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O sistema de saúde brasileiro é formado por uma diversidade de prestadores gerando uma combinação público privada financiada, especialmente, por recursos privados.

Referidos segmentos (público e privado) são sistemas distintos, todavia, estão interconectados, podendo a população utilizar de ambos os serviços disponíveis, o que varia de acordo com sua possibilidade de acesso e capacidade pagamento.

Apenas para elucidar, conforme consta disponível no site da ANS, os beneficiários de plano de saúde no Brasil, referentes a agosto de 2022, atingiram uma média de 49.912.645 usuários em planos de assistência médica. Em agosto de 2021 esta média era de aproximadamente 48.446.444.

De acordo com a ANS[1], “nos planos médico-hospitalares, em um ano, houve crescimento de 1.579.034 beneficiários – o equivalente 3,27% de aumento em relação a agosto de 2021. No comparativo de agosto de 2022 com julho de 2022, o crescimento foi de 112.053 usuários.”

Evidente que diante da referida demanda e o aumento expressivo dos usuários de plano de saúde, o acesso às coberturas precisa necessariamente de regulamentação para proteção do interesse das partes, seja pela qualidade do serviço ofertado pela operadora, para melhor custo-benefício do serviço para os beneficiários.

Assim, a lei federal nº 9.656/98 é responsável pela regulamentação do que deverá ser obrigatoriamente coberto pelos planos de saúde privados, sendo a partir desta legislação que ficou estabelecido que os planos não deveriam mais cobrir “doenças”, mas sim procedimentos médicos, e autorizou expressamente a cobertura para tratamento de doença oncológica.

Ainda, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, por meio do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disciplina sobre essas coberturas obrigatórias que devem ser realizadas pelas Operadoras do Plano de Saúde, por meio de suas Diretrizes de Utilização.

Aliado a tal fato, os contratos de prestação de serviço pactuados entre as partes dispõem sobre as obrigações das Operadoras de Plano de Saúde em custear os tratamentos, de acordo com o estabelecido pelo Rol da ANS e suas diretrizes de utilização, fazendo clara referência às limitações de cobertura.

Um contrato de plano de saúde, possui natureza securitária, isto é, suas bases econômicas são as mesmas do contrato de um seguro. Tanto o contrato de plano de saúde quanto o contrato de um seguro têm os seus preços formados com base em um cálculo atuarial e baseiam-se no princípio do mutualismo, este último sendo uma modalidade de financiamento em que cada beneficiário, como um grupo solidário, contribui com suas mensalidades para um fundo comum.

A contribuição mensal de cada beneficiário custeia suas próprias despesas e também as despesas do restante do grupo. Neste contexto, a operadora de planos privados de assistência à saúde funciona como uma gestora deste fundo comum, que arrecada dos participantes sua cota mensal a fim de que, se houver a necessidade, os recursos sejam direcionados para cobrir os custos assistenciais de um ou mais beneficiários pertencentes ao mesmo contrato.

O equilíbrio econômico-financeiro de um contrato de plano de saúde estabelece-se quando os custos da cobertura assistencial ofertada pela operadora, conforme previsão legal e contratual, não ultrapassam os custos do valor acumulado das mensalidades recebidas de cada beneficiário pertencente àquele contrato.

Para as operadoras de planos privados de assistência à saúde, o desequilíbrio econômico-financeiro se estabelece quando são obrigadas a ampliar a cobertura assistencial para situações sem embasamento contratual e cujos custos não foram projetados no cálculo atuarial previamente realizado para a formação do preço da mensalidade dos beneficiários.

É impossível, portanto, para as operadoras de planos privados de assistência à saúde a elaboração de um cálculo atuarial adequado para a formação da mensalidade quando existe a hipótese de acesso ilimitado a todo e qualquer serviço de saúde.

Pois bem.

De acordo com o divulgado pela Agência Nacional de Saúde o rol de procedimentos contém mais de 3 mil tecnologias em saúde que são de cobertura obrigatórias para os planos de saúde regulamentados pela Lei 9.656/98[2].

Referido Rol abrange, exames, atendimento médico e tratamentos para todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, formulada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Quanto aos quimioterápicos, em específico, pode-se afirmar que existem 59 fármacos orais no Rol da ANS com 115 indicações uso para os beneficiários de Plano de Saúde.

Se considerarmos apenas os remédios para quimioterapia oral, que foram introduzidos no Rol da ANS no ano de 2021, estes representam uma média anual de R$ 709 milhões a R$ 932 milhões de reais,[3] referidos Cálculos foram levantados diante da última proposta de atualização do Rol.

Evidenciando os gastos com tratamentos na área da oncologia, pode-se notar custo mensal expressivo às Operadoras de Saúde, podendo alcançar dezenas ou até mesmo centenas de milhares de reais por mês às Operadoras de Plano de Saúde.

Se, para as Operadoras de Saúde, firmar contrato com seus beneficiários seguindo os critérios estabelecidos na legislação vigente já evidencia um alto custo dos tratamentos e torna a situação delicada, uma expansão desenfreada de coberturas, sem qualquer estudo de impacto financeiro, torna o cenário ainda mais perigoso e instável.

Por tal motivo, é de suma importância que se entenda que olhar apenas para o indivíduo desconsiderando as previsões contratuais, validadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, e desconsiderando o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde instituído pela ANS (o qual é revisado a cada 06 meses após longo período de Consulta Pública em que todos os setores da sociedade podem manifestar-se), claramente contribui para o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos que funcionam sobre o princípio do mutualismo e, por conseguinte, contribui para a  extinção de diversas operadoras de planos privados de assistência à saúde que não conseguem suportar o aumento de custos assistenciais sem previsão contratual e atuarial, colocando em risco a vida de milhares de beneficiários dependentes dessas operadoras.

A Saúde Suplementar precisa ser olhada com cautela.

Ao levar em consideração apenas os procedimentos e medicamentos previstos no Rol da ANS, estes são, por si só, de custo elevadíssimo para Operadoras de Plano de Saúde.

Quando há a inobservância da legislação e do contrato, diga-se, aqueles que não são de cobertura obrigatória e são cotidianamente solicitados e por muitas vezes deferidos pelo Poder Judiciário em recorrentes decisões judiciais que simplesmente desconsideram os contratos (os quais são avaliados e aprovados pela ANS), ou que simplesmente desconsideram o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde instituído pela Agência Nacional de Saúde Suplementar como de cobertura obrigatória (lembrando que não se trata de um rol meramente exemplificativo), estes produzem um desequilíbrio econômico potencialmente fatal e que poderá colocar em risco a assistência à saúde de todos os demais beneficiários.

Outra questão importante a ser observada e que ocorre de forma corriqueira é quanto ao fato do médico assistente ou qualquer outro profissional que acompanha o paciente/beneficiário lhe prescrever a realização de qualquer procedimento, seja ele experimental ou não. Contudo, a Operadora de Plano de Saúde não está – POR LEI – obrigada a custear todo e qualquer procedimento prescrito.

A limitação de tratamentos se restringe àqueles que não têm garantia científica de sua eficácia, garantindo assim um tratamento seguro ao próprio paciente/beneficiário. A opção do paciente em realizar o procedimento indicado por seu médico assistente ou qualquer outro profissional, não podem indiscriminadamente serem impostas as Operadoras do Plano de Saúde, sob pena, de se cometer uma verdadeira ilegalidade.

Ora, se o Rol fosse meramente “exemplificativo” exatamente para que ele existiria?

Novamente, qual o motivo de se gastar milhões em pesquisa e discussão sobre quais procedimentos serão ou não incorporados, a cada dois anos, no Rol de Procedimentos e Eventos da ANS se não for para que tal Rol seja devidamente seguido?

Aborda-se essas questões apenas para demonstrar que o alto custo nos tratamentos disponíveis no Rol da ANS já são realmente preocupantes, isso apenas levando em consideração, principalmente, os tratamentos oncológicos, que hoje, sem dúvidas, são os que mais geram custos às Operadoras de Plano de Saúde e, ao considerar aqueles que não possuem previsão e são, ainda sim, muitas vezes deferidos pelo judiciário, a conta se torna ainda mais alarmante.

Durante o seminário “Judicialização da Saúde Suplementar” (promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[4] em parceria com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)) a ex-diretora do Departamento de Incorporação de Tecnologia em Saúde do SUS, Clarice Alegre Petramale, ressaltou que “Remédios para câncer são caríssimos. Há uma pressão enorme para que os sistemas de saúde do mundo inteiro incorporem esses medicamentos. Se fôssemos comprar todos, não teríamos orçamento.”

Ainda, destacou um ponto importantíssimo sobre o assunto: “A tecnologia pode ser um meio de melhorar a saúde, mas nem sempre o é. Precisamos de tempo para desvendar a qualidade e os defeitos dos novos medicamentos.”

Clarice de forma clara e objetiva esclareceu como funciona o registro de novas drogas e terapias no Brasil. “Novos medicamentos chegam ao Brasil e nós precisamos estar preparados para analisar e incorporar aqueles que demonstrarem segurança e eficácia, e estiverem alinhados ao nosso sistema de saúde. Cada sistema tem uma complexidade e alguns, mais simples, não dão conta de algumas tecnologias de ponta, que exigem uma logística que sequer está disponível naquela região.”.

Não é à toa que a sustentabilidade da saúde suplementar tem sido tão abordada e discutida no Brasil, isso pode ter ocorrido, principalmente pelo fato de que muitas Operadoras de Plano de Saúde vieram a falência, decorrentes do crescente “afastamento” entre receitas e despesas.

Tal cenário vai totalmente de encontro as necessidades dos beneficiários de plano de saúde que, diante da informação do mercado de disponibilidade de novos medicamentos e tecnologias, alimentam expectativas de melhoria significativa de vida, exercendo grande pressão junto as Operadoras de Plano de Saúde para que estas estejam sempre incorporando todo tipo de novidade que o mercado apresenta.

Referidas questões são sensíveis e não podem ser ignoradas, pois de um lado existe a expectativa de uma pessoa em tratamento médico, acreditando que os medicamentos disponíveis podem lhe trazer a cura ou até mesmo aumentar sua expetativa de vida e de outro lado temos as operadoras do plano de saúde que, mesmo diante de normas reguladoras, está cada vez mais lidando com o avanço da tecnologia e dos autos custos que elas geram, o que por vezes, pode decretar a falência/quebra de uma Operadora colocando em risco a própria saúde suplementar e, quem sabe, até mesmo do sistema público que terá que suprir toda essa demanda.

  • Artigo escrito pela advogada Leticia Lopes.

REFERÊNCIAS

https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/periodo-eleitoral/ans-planos-de-saude-de-assistencia-medica-ganham-mais-de-100-mil-usuarios-em-agosto

https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/sobre-ans/esclarecimentos-da-ans-sobre-taxatividade-do-rol-de-coberturas-obrigatorias

https://www10.trf2.jus.br/comite-estadual-de-saude-rj/cnj-inclusao-de-novas-tecnologias-em-saude-deve-ser-feita-de-forma-cuidadosa/


[1] https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/periodo-eleitoral/ans-planos-de-saude-de-assistencia-medica-ganham-mais-de-100-mil-usuarios-em-agosto

[2] https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/sobre-ans/esclarecimentos-da-ans-sobre-taxatividade-do-rol-de-coberturas-obrigatorias

[3] Os dados foram levantados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a pedido do Poder360 e consideram custos até 2026. (https://www.poder360.com.br/saude/remedios-orais-para-cancer-tem-custo-anual-de-ate-r-932-mi/)

[4] https://www10.trf2.jus.br/comite-estadual-de-saude-rj/cnj-inclusao-de-novas-tecnologias-em-saude-deve-ser-feita-de-forma-cuidadosa/

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