A afetividade observada nas relações de paternidade e maternidade, representa uma das conexões emocionais mais poderosas desenvolvidas pelo ser humano, e não depende de origem biológica ou herança genética para se firmar. Um exemplo disto é o vínculo formado entre pais e filhos de criação, que se estabelece a partir do afeto, amor e dedicação constituídos durante o convívio, e não de laços sanguíneos.
Percebendo a força destas ligações, o Código de Direito Civil, a partir de 2002, passou a disciplinar a igualdade entre filhos numa relação paterna. Ou seja, a Constituição Federal extinguiu, por meio do Artigo 226, a discriminação filial, que privilegiava, por exemplo, herdeiros consanguíneos em detrimento dos herdeiros de criação, ou adotivos, e determinou, no artigo 1.593 do Código Civil, que o “parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
No ordenamento jurídico brasileiro, a filiação sócio afetiva é o instrumento responsável por fixar elos legais a estas relações, pautadas pelos valores emocionais. Desta forma, a filiação reconhece civilmente o filho não consanguíneo como detentor dos mesmos direitos e deveres que o biológico, anulando possíveis distinções.
Amparada pelo Princípio da Proteção Integral da Criança, da Afetividade e da Igualdade, a requisição da filiação sócio afetiva é concedida mediante a comprovação de vínculos afetuosos, da convivência familiar e de manifestações públicas de filiação, conferindo ao filho afetivo todos os efeitos jurídicos decorrentes da paternidade: a declaração do estado de filho, a feitura ou a alteração do registro civil de nascimento, a adoção do sobrenome dos pais, a herança, a guarda e o sustento do filho ou o pagamento de alimentos, entre outros.
Este é um direito personalíssimo, indisponível – já que exclui o requerimento de terceiros -, imprescritível – pois pode ser pleiteado em qualquer tempo – e irrevogável – uma vez que não pode ser desfeito.
É importante ressaltar também que a filiação sócio afetiva não impede um posterior reconhecimento de paternidade biológica. Mas a investigação de paternidade não anula ou revoga esta filiação, que se sobrepõe e permanece respondendo pelos efeitos jurídicos e patrimoniais, como alimentos, sucessão e herança. Confirma-se, neste aspecto, a premissa de que pai é o indivíduo que educa, se relaciona com o cotidiano da criança, protege, ama e zela por seu futuro.
Para concluir, esta é uma das muitas provas de que o Direito Civil, desde 2002, busca contemplar a equidade e os muitos formatos familiares que se apresentam na sociedade contemporânea, como os modelos monoparentais e os homo afetivos, num percurso evolutivo que moderniza e flexibiliza o sistema familiar e a concepção de paternidade, anteriormente restritivos.