O Uso da Medicina Regenerativa na Estética: Aspectos Jurídicos, Riscos e Dever de Informação

A medicina regenerativa tem avançado de forma significativa no universo da estética, com a introdução de tecnologias como exossomos, células-tronco, peptídeos e outras terapias biotecnológicas. No entanto, é fundamental compreender que inovação, quando não acompanhada de rigor científico e de conformidade com a legislação, pode expor tanto profissionais quanto pacientes a riscos jurídicos consideráveis.

Diante desse cenário, surge uma pergunta recorrente no meio jurídico e também no mercado de saúde e estética: qual é, afinal, a responsabilidade do médico e da clínica que oferecem esses tratamentos? E, principalmente, até que ponto o profissional está obrigado a informar claramente ao paciente se o procedimento possui ou não comprovação científica robusta e se há registro nos órgãos competentes, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o FDA (Food and Drug Administration).

A resposta é direta, técnica e respaldada na legislação brasileira. Existe, sim, um dever legal, ético e de proteção ao consumidor de informar de maneira clara, precisa e ostensiva sobre a natureza do procedimento. Isso significa que cabe ao profissional explicar se se trata de um procedimento aprovado, experimental ou não regulamentado. E esse dever não é opcional. Está diretamente vinculado ao Código de Defesa do Consumidor, à legislação sanitária e às normas do Código de Ética Médica.

É importante esclarecer que essa responsabilidade não recai sobre o paciente. Ela é integralmente atribuída ao profissional que executa o procedimento, à clínica que oferece o serviço e a toda a cadeia de fornecedores dos insumos utilizados. Ao paciente, cabe sim buscar informação, questionar, pedir documentos, esclarecer dúvidas, mas a responsabilidade jurídica pela informação correta é do fornecedor do serviço.

No Brasil, muitos dos insumos utilizados na medicina regenerativa, especialmente os exossomos, não possuem registro ou autorização para uso clínico ou estético em sua forma injetável. Aqui cabe um alerta que precisa ser feito com ênfase e seriedade: os exossomos, hoje, são regulamentados pela ANVISA como produtos cosméticos, com uso restrito exclusivamente a aplicações tópicas. Isso significa que, até o presente momento, não é permitido seu uso injetável, nem mesmo em procedimentos estéticos.

A ANVISA é o órgão regulador sanitário brasileiro, responsável por proteger e promover a saúde da população, mediante o controle sanitário da produção, comercialização e uso de produtos sujeitos à vigilância sanitária, como medicamentos, cosméticos, alimentos, dispositivos médicos, terapias avançadas, entre outros. Cabe à ANVISA avaliar a segurança, eficácia e qualidade desses produtos, concedendo registros, autorizações ou, quando for o caso, restringindo ou proibindo o uso de determinados produtos e procedimentos no território nacional.

Portanto, qualquer aplicação injetável de exossomos é considerada prática irregular, sem respaldo da legislação sanitária brasileira, e sujeita às consequências jurídicas, éticas e administrativas.

Essa interpretação jurídica está, inclusive, alinhada com o posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), que, em plena consonância com a legislação vigente e com as diretrizes da ANVISA, mantém interlocução permanente com os órgãos reguladores e com o Conselho Federal de Medicina (CFM), reforçando que qualquer prática médica deve ser fundamentada em evidências científicas robustas, visando assegurar a proteção ao paciente e o exercício ético e seguro da profissão.

Nos Estados Unidos, o cenário regulatório não é muito diferente. O FDA permite que determinadas terapias sejam utilizadas exclusivamente em caráter experimental, mediante autorização específica dentro do programa chamado Investigational New Drug (IND). Isso não significa, em hipótese alguma, que há liberação comercial para uso indiscriminado ou irrestrito, tampouco para uso estético fora de protocolos de pesquisa autorizados.

Diante desse contexto, é imprescindível alertar sobre os riscos jurídicos que recaem sobre o profissional e a clínica que realizam procedimentos sem a devida autorização dos órgãos reguladores. 

Sob a ótica do direito civil e do direito do consumidor, a responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Isso quer dizer que o profissional responde pelos danos causados, independentemente de culpa, bastando que haja defeito na prestação do serviço, omissão de informações relevantes ou dano ao paciente.

No campo administrativo e ético, o profissional também se expõe a penalidades severas, que vão desde advertências até multas, interdição do estabelecimento e, nos casos mais graves, suspensão do exercício profissional. 

Na esfera penal, dependendo das circunstâncias, é possível configurar crimes como exercício ilegal da medicina, perigo para a vida ou saúde, além de crimes contra as relações de consumo, especialmente quando há publicidade enganosa, promessa de resultado sem base científica ou ocultação da real natureza do procedimento.

E aqui faço questão de reforçar um ponto que, infelizmente, ainda é negligenciado por muitos profissionais: o termo de consentimento informado, embora obrigatório, não é documento capaz de afastar ou excluir a responsabilidade do profissional ou da clínica. 

A legislação brasileira não permite cláusulas contratuais que limitem ou isentem responsabilidade por vício na prestação de serviço, por risco não informado ou por dano ao consumidor. Logo, o simples fato de o paciente assinar um termo de consentimento não significa, em hipótese alguma, que o profissional esteja juridicamente protegido se houver falha na informação ou no serviço prestado.

Além disso, é fundamental compreender que a responsabilidade, nesses casos, é solidária. Isso significa que, em caso de dano, o paciente pode optar por acionar judicialmente o médico, a clínica, o fornecedor do produto, o distribuidor, o importador ou qualquer outro integrante da cadeia. E todos responderão igualmente, cabendo àquele que for condenado buscar o ressarcimento entre os demais, se for o caso.

Diante de tudo isso, é inegociável a importância do dever de informação. O profissional tem a obrigação legal e ética de esclarecer, com total transparência, se o procedimento é autorizado pela ANVISA ou pelo FDA, se possui comprovação científica robusta, se é um tratamento experimental, quais são os riscos conhecidos e desconhecidos, bem como quais são as alternativas terapêuticas regulares e autorizadas. O paciente, por sua vez, tem o direito e eu diria, o dever de proteger sua própria saúde de perguntar, de exigir que essa informação conste de forma expressa e documentada. Deve questionar diretamente se o produto tem ou não registro na ANVISA, se é um cosmético de uso tópico ou se, de forma equivocada e ilegal, está sendo oferecido para aplicação injetável.

A medicina estética, sem dúvida, vive um momento de enorme expansão, impulsionada por tecnologias inovadoras e pela crescente busca por procedimentos de rejuvenescimento, regeneração e bem-estar. No entanto, essa expansão precisa estar alinhada ao rigor científico, à ética profissional e, sobretudo, à legalidade. Inovar é necessário, mas inovar com responsabilidade é indispensável.

Como advogada atuante na área, reforço que a informação precisa, clara e documentada é o principal instrumento de proteção, tanto para o paciente quanto para o profissional. A ausência de informação, a omissão de riscos, o uso de produtos sem registro ou sem comprovação científica sólida não são apenas escolhas equivocadas são violações legais, que geram responsabilidades civis, administrativas, éticas e penais.

Portanto, fica o alerta. Se você é profissional da área da saúde, certifique-se de que aquilo que você oferece ao seu paciente está em conformidade com as normas da ANVISA, possui respaldo científico e respeita os limites da legislação. E se você é paciente, questione, exija informações formais, confirme se o produto possui registro como cosmético ou se está sendo, indevidamente, oferecido como injetável, prática que não encontra respaldo legal no Brasil.

E só pra deixar bem claro: não estou dizendo que inovar é um problema. Muito pelo contrário. A inovação é fundamental, necessária e bem-vinda. Mas é preciso que ela caminhe junto com responsabilidade, com critérios técnicos, respaldo científico e, principalmente, dentro dos limites da legislação. 

O alerta aqui é simples e direto: usar produtos sem registro nos órgãos competentes, ou adotar práticas sem comprovação científica suficiente, traz risco. E risco que não é só para o paciente é também jurídico, ético e profissional para quem oferece esse tipo de serviço. Inovar, sim. Mas com segurança, responsabilidade e respeito à lei, à saúde e à própria credibilidade do mercado.


Adriane Zimmermann Küster
Gestora